sexta-feira, 4 de outubro de 2013

On 13:55 by papa in ,    No comments
Já vi três vezes o filme "Hotel Ruanda", a mais forte descrição que conheço do fracasso da comunidade internacional em evitar massacres. No caso, o genocídio promovido por extremistas da etnia hutu contra os rivais tutsis, mas que alcançou também os hutus moderados. Tudo diante de tropas das Nações Unidas supostamente incumbidas de manter a paz.

Há uma cena no filme em que um cinegrafista de TV mostra a seu repórter (que não fora a campo) cenas de massacres. Não percebe que, na sala, encontra-se também Paul, o gerente do "Hotel Ruanda", na verdade, Hotel das Mil Colinas, que rapidamente se transformou em improvisado campo de refugiados.

Paul, um hutu casado com uma tutsi, desconfiava, mas não testemunhara diretamente os massacres. Por isso, o cinegrafista lhe pede desculpas. O gerente retruca: não tem que pedir desculpas, tem que exibir ao mundo o que está acontecendo para que o mundo finalmente se decida a intervir para parar o massacre.
O cinegrafista responde: Não adianta. As pessoas verão as cenas durante o telejornal da hora da janta, dirão "que horror" e, em seguida, voltarão à refeição.

Quando vi o filme pela terceira vez, na semana passada, pensei na Síria. Faz mais de dois anos que os telejornais da hora do jantar exibem cenas do horror naquele país, sem comover a tal comunidade internacional e levá-la a intervir. Aliás, mais recentemente, nem mais se exibem cenas dos combates na Síria, tal a rotina em que caíram os cadáveres, mesmo de crianças.

Na quinta-feira, o diálogo entre o cinegrafista e o gerente de hotel voltou à memória, ao ver outro tipo de cadáveres se acumulando na praia de Lampedusa, na Itália, vítimas do naufrágio de um barco com retirantes da Somália e da Eritreia.

Almas sensíveis terão ficado penalizadas, mas o mundo logo volta às suas refeições habituais porque, afinal, quem se preocupa com negros pobres que tentam alcançar a segurança de um porto europeu?
Naufrágios como o de quinta-feira são rotina no Mediterrâneo, a ponto de terem também sumido do noticiário a não ser quando o número de mortos é elevado como agora ocorreu.

A prefeita de Lampedusa, Giusi Nicolini, tenta sacudir os governantes, não apenas os italianos. Chegou a escrever uma carta à União Europeia com a pergunta: "Quão grande tem que ser o cemitério da minha ilha?"
Se depender da resposta da comunidade internacional, cara Nicolini, terá que ser tão grande quanto o mar para que caibam todos os náufragos dessa "globalização da indiferença", como a definiu o papa Francisco, ao falar exatamente em Lampedusa a propósito do descaso para com os migrantes.

Texto postado em Folha de S Paulo

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